Livro: O Livro do Juízo Final - Connie Willis

Para Kivrin, que se prepara para um estudo de campo em uma das eras mais mortais da história humana, viajar no tempo é tão simples quanto tomar uma vacina desde que seja uma vacina contra as doenças encontradas na Idade Média. Já para seus professores, isso significa cálculos complexos e um monitoramento constante para garantir o reencontro. No entanto, uma crise de proporções inimagináveis pode colocar o futuro de Kivrin, e de todo o Reino Unido, em perigo. Seu professor mais próximo, o sr. Dunworthy, fará de tudo para resgatá-la. Mas até que ponto é possível desafiar a morte. De 1300 a 2050, Connie Willis faz um trabalho magnífico na construção de personagens complexos, densos e pelos quais é impossível não sentir empatia. O livro do juízo final é ao mesmo tempo uma incrível reconstrução histórica e uma aula sobre o poder da amizade.

Será que na faculdade História tem uma salinha secreta, onde a galera pode viajar no tempo? Suspeito disso há tempos! Ha!

Essa história se passa em Oxford, durante a festividade natalina de 2054, onde uma equipe de historiadores se prepara para mandar uma aluna à Idade Média. Isso mesmo! A jovem Kivrin Engle está disposta a desafiar todos os perigos daquela época, inclusive a Peste Negra. Mas, nem todos estão felizes com sua partida. O sr. James Dunworthy e a Dra. Mary Ahrens, ainda enxergam altos riscos envolvendo esse experimento. Apesar de ter ajudado Kivrin, lhe dando aulas e moldando sua personalidade afim de se conectar perfeitamente com a época, Dunworthy sempre demonstrou insatisfação com a escolha de Kivrin e aceitação dos demais colegas de trabalho. Ele sabe como uma mulher era tratada naquela época. Principalmente se a encontrassem sozinha e sentissem sua vulnerabilidade.

Infelizmente, não há como voltar atrás. Kivrin se fora. Enquanto Dunworthy e Mary saem em meio a agitada festividade, a preocupação do mentor é constante. Minutos depois, os colegas aparecem no bar e um deles está visivelmente perturbado. Algo está errado, ele repete. O técnico Badri, parece atordoado e sai cambaleando pelas ruas, até que dá entrada no hospital e fica sob os cuidados de Mary. Seu estado é grave e ninguém faz ideia do diagnóstico. Sua situação piora a cada dia e há suspeita de Influenza, o que leva as autoridades isolarem a área; entrando em quarentena. Mais tarde, outras pessoas também dão entrada no hospital com os mesmos sintomas de Badri. Todas as vezes que Dunworthy consegue visitá-lo, o rapaz sempre repete sobre algo estar errado, deixando o professor ainda mais preocupado com Kivrin. Ela realmente está segura? E o mais importante: será que houve um desvio?

Apesar da Peste Negra ser uma das questões mais temidas daquele período, os historiadores decidiram que o salto de Kivrin seria anos antes da epidemia surgir na Europa. Com essa suspeita do desvio, Dunworthy decide investigar os passos de Badri nos últimos dias e lutar para que o deixem saber se Kivrin está segura. A segurança da aluna, se torna uma verdadeira obsessão para Dunworthy, por vezes o deixando egoísta em relação as consequências da quarentena. Após a chegada de Colin, sobrinho-neto de Mary, ele praticamente ganha um escudeiro, que faz o possível para ajudar o professor em sua luta. Um dos personagens mais carismáticos desta história, é Colin!

Enquanto isso na Idade Média, Kivrin está desenvolvendo os mesmos sintomas de Badri. Lá também está próximo ao Natal. Uma família e um padre a acolhem num vilarejo e cuidam da garota fielmente. Ela, que temia por encontrar degoladores, foi acolhida por uma família composta por quatro mulheres - sogra, nora e duas filhas - que parecem estar se escondendo de algo. Conforme os dias passam e com medicação caseira, Kivrin começa a se sentir melhor e a se comunicar bem. Ela tem um tradutor e também teve aulas de como se portar. Ela se torna Lady Katherine, a quem todos acreditam estar desmemoriada e permitem sua estadia. Logo se afeiçoa pelas duas meninas e passa a cuidar, principalmente da mais nova, Agnes. 

Kivrin está desesperada, pois não se lembra do lugar específico do salto e tenta de todas as maneiras que a levem próximo onde a encontraram. Ela não pode perder o dia do encontro, que é quando a rede se abrirá novamente, para sua volta. Kivrin sabe que nada poderá ser alterado durante sua estadia e no momento, nem cogitaria. Mas, vocês sabem que autores adoram destruir nossos emocionais, então vem a bomba. Creio que só tendo um coração de pedra para não sentir nada em relação ao esforço de Kivrin e o que ela é obrigada a assistir, próximo a conclusão da leitura. Lutando para salvar algo, mesmo sabendo que nada vai adiantar. Nada será alterado.

"Eu queria saltar e, se não tivesse saltado, eles estariam sozinhos aqui e ninguém jamais ficaria sabendo o quanto estavam assustados e o quando eram corajosos e insubstituíveis."

Nessa narrativa intercalada entre o passado - põe passado nisso - e o presente, é interessante notar a maneira como lidam com a misteriosa doença de Kivrin e Badri. Ela se salva pelos cuidados caseiros enquanto ele ainda permanece dias a fio internado, cada vez mais grave, sob os cuidados de Mary e sua equipe. A Dra. Mary é uma personagem incrível. A autora transmite muito do estresse em que a personagem está cercada e suas preocupações. E nesse meio, Dunworthy acaba nos decepcionando. Como é egoísta...

A premiada autora Connie Willis publicou esta obra no início dos anos noventa. Mas, o ano não define sua obra. Pois é, imaginem durante a leitura onde é possível encontrar assuntos atuais, como a questão da imigração na Europa e a culpabilidade instantânea. A narrativa é ambientada em cenário universitário habituado, boa parte, por católicos. Todos ali ansiosos para as festas de fim de ano e vários eventos, até que a quarentena surge e mais infectados. Há também questões de sobrevivência claro, muitas vezes com toques divertidos do Sr. Finch, secretário de Dunworthy. Mesmo nas entrelinhas, nos lembra como economizar papel higiênico é importante. Mas, isso Chuck já tinha me alertado em um episódio de Supernatural. Ha!

Apesar da ótima escrita, sem abusar de termos complexos - o que pode agradar leitores não tão assíduos do gênero, assim como eu -, e com momentos descontraídos além de tristes, a autora peca por excesso de suspense em torno de Badri, suas explicações e a obsessão de Dunworthy pela segurança de Kivrin. Muitas situações entre os dois se repetem e diálogos também. E já viram como O Livro do Juízo Final, é um gigante. Uma pena que isso talvez faça leitores desistir de um enredo inteligente e com abordagem interessante sobre viagem no tempo, sobrevivência e patologias. Ao meu ver, a autora foi bem natural em seu foco na viagem, sem menções mirabolantes.

Com esse assombro de contaminações, há personagens que nos deixam. Uma em questão, nem nego para vocês que chorei que nem uma doida. Outros, eu fiquei com pena, pois o chato do Dunworthy não demonstra um pingo de empatia ou uma verdadeira dor, por aqueles que trabalhavam há anos com ele e o consideravam.

"- Não podemos nos dar ao luxo de adoecer. Somos apenas seis."

A edição está incrível, com capa dura e uma ótima diagramação. A narrativa é dividida entre as duas épocas e os fatos se conectam bem, apesar de em algumas vezes soar repetitivo. A revisão está boa, leitura bem compreensível. Já comentei que não sou muito habituada com o gênero, então foi uma grande surpresa entrar neste universo. Se você curte o gênero, fica uma ótima dica de literatura científica, criada por uma mulher no início dos anos noventa. Apesar de ter uma continuação, este volume finaliza bem, sem pontas soltas.

Autora: Connie Willis
Título Original: Doomsday Book
Origem: Literatura Americana
Editora: Suma
Tradução: Braulio Tavares
ISBN: 8556510388
Publicação: 2017
Páginas: 576

Série: Sim - Oxford Time Travel
#0.5: Fire Watch
#1: O Livro do Juízo Final
#2: To Say Nothing of the Dog
Spin-Off: #1 Blackout | #2 All Clear
O Que Tem?: Viagem no Tempo, Idade Média, Historiadores

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O blog Canto Cultzíneo agradece ao grupo Companhia das Letras (Suma) por ceder o exemplar para análise.