Livro: O Clube dos Oito - Daniel Handler

Como um grupo de jovens estudantes bem-educados acabou se envolvendo num escândalo que chocou um país? Por que tantos especialistas em comportamento juvenil têm algo a dizer quando o assunto é o Clube dos Oito? Até quando inúmeras manchetes de jornal e programas de TV sensacionalistas vão explorar o caso nos mínimos detalhes? Para fazer com que a verdade venha à tona, Flannery Culp, a dita líder do Clube, decide tornar público o diário que manteve ao longo do seu desastroso último ano de ensino médio. Agora que está presa por cometer um assassinato, a garota tem tempo de editar o que escreveu e revisitar a rotina que levava ao lado de seus sete melhores amigos. A narrativa de Flan, permeada de professores da pior índole, um amor não correspondido, aulas complicadas e jantares pomposos, comprova que ela pode até ser uma adolescente criminosa — mas, pelo menos, é uma adolescente criminosa muito inteligente.

Um grupo de oito amigos. Jantares. Um amor platônico. Uma apresentação de Otelo. Uma festa de Halloween. Um assassinato.

Publicado originalmente em 1998, O Clube dos Oito é o primeiro livro de Daniel Handler - que também conhecemos como Lemony Snicket, autor de Desventuras em Série - e nos trás uma visão dark e com certo sarcasmo do Ensino Médio. Passarinhos contam que Handler se inspirou em sua época escolar e muitos dos professores apresentados nesta história, cruzaram seu caminho.

Boa parte dos livros policiais usam o famigerado "Quem matou?".

Em O Clube dos Oito temos o "Por quê?". 

Nas primeiras páginas, Flannery Culp - ou simplesmente Flan - nos confessa que está presa por ter cometido um assassinato. Cansada de todo sensacionalismo em torno do caso, Flan resolve reviver o período escolar, antes de se tornar a criminosa satanista que todos a chamam. Ela decide editar seu diário, deixando em pratos limpos as mentiras sobre sua personalidade e o que realmente era O Clube dos Oito. Flan não mantém contato com seus amigos. A única lembrança que resta é uma velha fotografia na parede de sua cela. A narrativa é feita de fragmentos revisados do diário dela, com certa interatividade.

O Clube dos Oito: Flannery, nossa protagonista e assassina; Natasha, melhor amiga de Flan e endeusada/invejada pela mesma; Douglas, ex-namorado de Flan; Lily, atual namorada de Douglas; Gabriel, o cozinheiro do grupo apaixonado por Flan e escolhido Otelo; V., a ricaça exuberante; Kate, a fofoqueira; Jennifer Rose Milton, a adorável filha da professora de Francês.

" Questões para análise
1. Calcule as dimensões mínimas necessárias para que uma pessoa inteira caiba num porta-malas, se você a esmagar um pouquinho."

Em setembro daquele ano, Flan chegava de viagem da Itália e estava prestes a lidar com o último ano do Ensino Médio. Supostamente, deveria ter mantido contatos animados com seus amigos, mas seu único interesse foi mandar cartas e um postal para Adam State, o garoto do coral. Quando as aulas retornaram, já rolava a fofoca sobre Adam State e o verão das cartas misteriosas de uma garota. Sem se entregar completamente, Flan confessou para sua melhor amiga Natasha que sentia algo por Adam. Então, logo todo Clube ficou sabendo.

Natasha era ousada. Ela era aquele tipo de amiga que nos impressiona por não temer nada. Seu jeito descolado, rebelde e sem regras, deixava marca registrada por onde passava. Flan era sua melhor amiga e ambas prezaram e muito a amizade que nutriam pela outra. Se admiraram e se protegeram. As ações de Natasha eram pensadas, com reações esperadas. Então, não foi surpresa quando Kate, a fofoqueira do Clube, convidou Adam para um dos Jantares. O Clube costumava realizar Jantares pomposos e assim, conhecemos sobre o estilo de vida deles. Ótima educação, excelente linguagem, bom gosto pela vestimenta, apreço pelo cinema cult, poesias e óperas. Eles cozinhavam e passavam parte da noite jogando conversa fora. Além de Adam, o Clube também recebeu uma outra aluna de Roewer, Flora Habstat - quem Flannery e Natasha odiavam até o último fio de cabelo.

Se aproximar de Adam trouxe o inesperado para a vida de Flan, a tornando uma bomba relógio ambulante. A paixão nem sempre é bonita; pode ser muitas vezes infernal. Sim, eles conversaram sobre as cartas e ficaram num chove e não molha eterno. Até que ela piscou, e Adam assumiu namoro com uma das integrantes do Clube. Flan demorou e muito a se dar conta e aceitar. Ela até comemorou o fato de ambos terem sido escalados para a apresentação de Otelo. A obsessão por Adam mais a amizade com Natasha, começaram a afetar o rendimento escolar de Flan. Ela se tornou aquela aluna, que estava sempre se desculpando por faltas e atrasos. 

O emocional de Flan vai se despedaçando no decorrer dos relatos de seu diário. Ela relembra as duas vezes que foi sexualmente abusada no ambiente escolar - antes do assassinato - e se viu calada, pois não acreditariam nela. A primeira vez, ela tentou se expressar e passaram dias na escola dizendo que o abusador era seu namorado. Ironicamente, o rapaz morreu num acidente de carro no mesmo dia em que abusou de Flan. Enalteceram a sua figura por dias. O segundo caso é ainda pior, pois um professor a estuprou. Flan não era a primeira vítima. É quando o absinto entra na história do Clube, e isso inclui consumo para diversão, mas também para vingança.

" Questões para análise
2. Lily usa "realmente" sete vezes em um simples bilhete de uma página. Estude seus próprios textos e encontre uma palavra que repete com muita frequência. Faça uma pesquisa em dicionários e arranje pelo menos sete bons sinônimos para ela"

Num momento, todos no Clube parecem estar bem e felizes com suas vidas amorosas. Num outro, tudo desmorona. Baixa estima com álcool não é uma boa combinação. E eis que chegamos ao relato mais alucinógeno de todo diário: a noite do crime. É sério, gente! Em algumas partes, meu cérebro bugou. É uma noite em que todos estão com os nervos à flor da pele e veem suas personalidades mudarem para sempre.

Notaram que eu não mencionei a vitima de Flannery, né? Quem vocês acham que foi?

O Clube dos Oito não é uma história adolescente bobinha. Perspicaz, Daniel Handler nos trás abordagens importantes, mesmo que envolvidas a meio de clichês. Sua protagonista munida de certo sarcasmo, usa questões descontraídas em meio a narrativa - até usei algumas como quotes -, revisita o diário e relembra os acontecimentos antes do crime. A loucura e a pressão do último ano, a necessidade de afirmação, a baixa estima, manipulação emocional, sexo, inveja, homossexualidade, sensacionalismo midiático, assédio, estupro, álcool, festas, transtornos... Alguns são explorados de forma coesa e trazem certa reflexão. Mas outros deixam a desejar, com a falta de tato e profundidade.

A construção do Clube é bem atrativa, em parte, pela união deles. Porém, Flan meio que estraga isso, com sua obsessão por Natasha e Adam. Dá aquela sensação de injustiça, sabe? De personagens legais sendo ignorados e daí queremos dar uma sacudida nela. Flannery parece não sentir empatia por nenhum deles. Talvez seja por isso, que não conhecemos o destino deles, ao final das páginas. E enquanto Natasha tem todo esse poder, o mesmo não dá pra dizer de Lily, a namorada de Douglas. Após um certo acontecimento, a construção da menina se desfaz. Só aparecia em cena pra chorar e vomitar.

" Questões para análise
3. Se você fosse tornar seu diário público, ia editá-lo antes? Por quê? (Se você não tem um diário, finja que tem.)"

O mistério em torno do motivo se mantém, ainda mais pelo fato de acompanharmos o acumulo mental destrutivo da personagem. E o momento ainda nos surpreende com uma outra revelação, que faz passar um filme de toda narrativa em nossa mente, tentando encaixar as peças. E mesmo não querendo, Flannery fez outra vítima: seu professor de teatro. Fiquei revoltada com o motivo pelo qual tacaram fogo na casa dele. E pior é saber que a fofoca partiu dos próprios colegas de trabalho. A sede por justiça desperta o pior dentro de nós, é algo que surge bastante nas entrelinhas desta história.

Surrealismo também se faz presente. SÉRIO, CADE OS PAIS DESSA MENINA? Temos conhecimento que Flannery tem pais, pelo fato deles serem mencionados pelo menos três vezes. Mas, nunca nem vi. Eles não aparecem em nenhum momento da narrativa, ela está sempre em casa, sozinha. E fora que, se seu filho é preso, é claro que a mídia vai te perseguir. Ainda mais por estarem produzindo um filme sobre sua filha e todo caso. Nem menção...

Como mencionado, esse foi o debut de Daniel Handler. Dá pra notar? Em boa parte sim, como na construção de alguns dos diálogos ou como mencionado, na falta de tato. Lendo as resenhas no Skoob, notei que muitas leitoras também não gostaram da forma como o autor lidou com a violência sexual. Contudo, o alerta é certeiro: infelizmente várias alunas, e também assistentes, são abusadas e silenciadas no ambiente escolar e nutrem o mesmo medo que Flannery. O de serem desacreditadas.

Em suma, O Clube dos Oito trás um mistério brutal e uma construção que apesar das escorregadas, se mantém instigante. Se você está procurando uma leitura jovial, fora do habitual e com tom misterioso, é uma boa dica que talvez te renda uma experiência mais positiva. Publicado no fim dos anos 90, é um livro livre de vícios da tecnologia atual, sem redes sociais, obsessão por celulares e a grande exposição. Mas, há um grande amor pela música.

Dizer pra vocês que até estranhei o fato dessa história ainda não ter sido adaptada, pois daria um bom filme sim, se o roteiro consertasse as escorregadas.

" Questões para análise
4. Você acha que os amigos devem fazer coisas uns pelos outros ou que cada um deve agir por conta própria? Leve em consideração as consequências das ações - ou pelo menos de algumas delas - antes de responder." 

A edição está agradável, gostei muito da fonte e tamanho utilizados. A revisão está ótima, adorei que o autor usa nomes ficcionais para bandas e apresentadores de talk shows, e não traduziram. Ha! E esse foi o primeiro livro que li e vi menção ao termo "lixo humano". A capa é bem bacana, fazendo alusão aos Jantares. Na verdade, bem mais bonita e criativa que a original.

Autor: Daniel Handler | Lemony Snicket
Título Original: The Basic Eight
Origem: Literatura Americana
Editora: Seguinte
Tradução: Fabricio Waltrick
ISBN: 9788555340659
Publicação: 2018
Páginas: 400

Série: Não
O Que Tem?: Crime Adolescente, Diário, Violência Sexual, Saúde Mental, Por que matou?

Links: Skoob - Compre Físico - Compre E-book - No Site da Editora - Site do Autor
O Canto Cultzíneo agradece o Grupo Companhia das Letras (Seguinte) por ceder o exemplar para análise.