Livro: Dom Casmurro - Machado de Assis

Machado de Assis (1839-1908), escrevendo Dom Casmurro, produziu um dos maiores livros da literatura universal. Mas criando Capitu, a espantosa menina de "olhos oblíquos e dissimulados", de "olhos de ressaca", Machado nos legou um incrível mistério, um mistério até hoje indecifrado. Há quase cem anos os estudiosos e especialistas o esmiúçam, o analisam sob todos os aspectos. Em vão. Embora o autor se tenha dado ao trabalho de distribuir pelo caminho todas as pistas para quem quisesse decifrar o enigma, ninguém ainda o desvendou. A alma de Capitu é, na verdade, um labirinto sem saída, um labirinto que Machado também já explorara em personagens como Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas) e Sofia (Quincas Borba), personagens construídas a partir da ambiguidade psicológica, como Jorge Luis Borges gostaria de ter inventado.
não, ela não traiu... que palhaçada

Como mencionado em postagens passadas, a minha promessa para a lista de leituras do ano era ler mais clássicos nacionais. Queria um por mês, mas desiquilibrei aí no caminho. Ainda dá tempo né, desde que some os doze no fim do ano... Ha!

Meu primeiro contato com Dom Casmurro foi na época da faculdade, tanto que a edição lida está rabiscada com anotações. Não consegui me enturmar de jeito nenhum. E pude confirmar: a experiência com os clássicos são bem melhores depois dos trinta, independente de você gostar ou não da leitura. E aqui a coisa foi meio tóxica, porque eu explodia de raiva do Bento e, horas depois, sentia falta. Daí pegava o livro de novo só para explodir mais de raiva dele. Ha!

A primeira publicação de Dom Casmurro ocorreu em 1899. O cenário é o Rio de Janeiro, em sua época Imperial, e os literários classificam a obra como parte da trilogia Realista, junto com outros romances do autor Machado de Assis - Quincas Borba e Brás Cubas. Dom Casmurro pode ser considerado meio que uma releitura de Otelo - peça de Shakespeare. E a linguagem não deve nada, é bem rebuscada e dominada por referências religiosas, poéticas, filosóficas, pela cultura da época - sobretudo a literatura - e, claro, com críticas sociais. Resumindo: me senti 100% burra. Ha! Não fale de óperas plmdds.

“Aos quinze anos, tudo é infinito.”

O romance é narrado por Bento de Albuquerque Santiago, ou Bentinho, um advogado que beira aos 50 e tantos anos e vive de maneira reclusa numa casa em Engenho Novo. Logo no primeiro capítulo o leitor terá conhecimento do motivo do título. O homem não é muito popular pelas redondezas, mas vamos dizer que ele já está meio que acostumado com isso. E a solidão traz momentos perigosos, reflexivos e, talvez, arrependimentos. No toque da solidão sabemos que Bento reformou toda sua atual casa para que ficasse similar a de sua infância e adolescência. Tudo influencia para que inicie os relatos que geraram aquela famosa perguntinha que atravessou - e atravessará - tantas décadas: Traiu ou não traiu?

Durante a adolescência Bento notou que seu olhar e sentimentos por sua vizinha Capitolina o traiam. Ainda em 1857, Bentinho deparou-se com o agregado da família, José Dias, relembrando sua mãe o quê mais temia: que ela deveria cumprir sua promessa de mandá-lo para o seminário. Fato que o distanciaria de Capitu, então ele arranja, com certa manipulação, para que a promessa seja cumprida, mas não tão cumprida. No fim, o próprio José Dias cai em sua armadilha e acaba o incentivando a cursar Direito em São Paulo.

Mesmo longe, Bentinho nutre promessas amorosas e uma grande proteção em relação a Capitu. E é quando a narrativa anseia para que nós - leitores - despejemos nossa atenção para o desenrolar da trama de Bentinho e seu novo amigo, Escobar. Eles se conhecem durante o seminário e é uma amizade que se alonga até... bem, vocês sabem. Uma amizade fraternal, daquelas que a família de um vira a família do outro. E é um mundo novo pra Capitu, pois boa parte das coisas e pessoas que conhece sempre fora por intermédio de Bentinho.

Os anos passam e o véu da confiança se desfaz diante de Bentinho, dando espaço para sentimentos questionadores e rancorosos. A possibilidade do adultério atormenta seus dias, colocando até a vida de um ente querido em risco. Sua única fidelidade é aos seus pensamentos; não dá espaço para defesa a nenhum dos réus. A única verdade que sempre importou, foi a dele.

“Mas a saudade é isto mesmo; é o passar e repassar das memórias antigas.”

Mesmo Dom Casmurro sendo uma obra bem reconhecida, eu não acho justo escrever uma opinião dominada de spoilers. Vocês já leram, mas a próxima geração não. E não estou aqui para fazer trabalho escolar para ninguém. Ha! É certo que é uma leitura que te despertará algum sentimento forte, como a raiva, independente do lado que você se colocar. No primeiro instante não foi difícil escolher a defesa de Capitolina; aquela sensação horrível de sufoco que Bento transmite em relação a ela. É como se ela fosse um tipo de diamante que ele mantém escondido no fundo do quintal - um segredo dele.

O Bento adulto inicia os relatos rodeado de símbolos que - meio que - o abraçam por sua decisão. Figuras históricas que surtaram perante o - suposto - adultério de suas companheiras. De alguma maneira ele necessita sentir que suas decisões foram certeiras, não é mesmo? Enquanto ele narra, temos espaço para algumas pausas e uma delas é um baita confronto com o passado. E eu, meio ingênua, cheguei a questionar várias vezes se no fim teria algum rastro de saudade do amigo ou da amada. Duvido...

Desde as primeiras cenas do jovem Bentinho, nota-se o quanto odeia ser contrariado. Muito querido pelos parentes, que sempre confraternizam na sala de sua casa, mas é o forasteiro que lhe preocupa. José Dias sempre tem um mal a dizer sobre o pobre pai de Capitu e, por conseguinte, por Bentinho em manter a amizade. Vira a figura mal-querida do garoto, apesar de toda bondade que o pai o prestou. E é José Dias que ressuscita a ideia do seminário, então é nele que Bentinho despeja sua raiva - mesmo que mentalmente. Há outros personagens que o rapaz dificilmente demonstra certo contentamento. Por fim, em sua fase adulta e atual, o encontramos dominado de remorso. Capitu aguentou foi muito...

Capitu é uma personagem dominada pelos sonhos e inocência de uma adolescente que se mantém feliz, apesar de tudo. Sua família não tem o mesmo status financeiro que a de Bentinho, o que levanta especulações maldosas de sua amizade. Bento não é um narrador confiável, já que seus pensamentos e opiniões desenham a narrativa. É de nos deixar em nervos não saber os pensamentos dela e ouvir sua voz - com umas verdades - no ápice do romance. Difícil não imaginar que mulheres da época, e anteriores, passaram pela mesma situação. Não tinham como se defender, só a afirmação do marido bastava para a sociedade. No caso desta história, Bentinho guardou pra ele.

“Capitu, apesar daqueles olhos que o Diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada.”

E este não é um enredo para simpatizar com personagens. Poucos laçaram minha simpatia, menciono a própria Capitu e, também, Escobar e a mãe de Bento na lista dos que ansiei em desvendar a mais. Em relação ao Escobar, mais uma vez despertou aquele nervoso por desejar partes com os pensamentos dele. Da minha parte, senti que ele realmente considerava a amizade - mas posso estar errada. Ha! Seu fim foi bem injusto, ainda mais por deixar certa pulguinha atrás da orelha. Acabou despertando uma outra pergunta, viu? Ha!

Por outro lado, foi difícil não se encantar com a descrição do cenário carioca. São lugares que conheço, mas tenho um outro olhar em relação a eles, e acho que está sendo a melhor parte desta maratona. E é muito esquisito o fato da Rua de Matacavalos - hoje se chama Rua Riachuelo - não ter um nome que seja uma homenagem para o Machado ou esta obra. Dudu Paes FAÇA ALGUMA COISA.

Dom Casmurro nada mais é do que uma grande influência na literatura brasileira. Foi traduzido em vários idiomas e tem um baita legado para futuras gerações. Se você, como eu, torceu o nariz na primeira tentativa - e quando era novinho - dê mais uma chance. Sério, desencane das coisas difíceis, deixe para pesquisar depois e leia no seu ritmo. Iniciei a resenha comentando que me senti 100% burra, mas olha a quantidade de parágrafo que gerou essa análise. Ha!

“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.”

Minha edição é daquelas baratinhas que vendiam na Avon. Não tem orelhas, mas o conteúdo é o que importa e está bem organizado. Nas páginas finais, o leitor encontrará um conteúdo a parte e que pode ajudar em seus estudos. É daquelas edições perfeitas pra levar pra qualquer lugar. Não tem desculpas pra deixar de lado. Mas quem não deseja comprar o físico, a obra está em domínio público e no próprio site - ou na Amazon - você encontra um arquivo gratuito.

*Adaptações:

Capitu (2008) | Minissérie - Abertura
. Minissérie exibida na Globo, em lembrança ao centenário da morte do autor;
. Ambientação mistura o clássico com o contemporâneo, além da pegada teatral;
. Michel Melamed, Maria Fernanda Cândido e Pierre Baitelli interpretam o trio Bentinho, Capitu e Escobar.
****
Dom (2003) | Filme - Trailer
. Esse é mais uma releitura, com uma pegada moderna;
. Marcos Palmeira, Maria Fernanda Cândido e Bruno Garcia interpretam o trio em destaque;
. Só o nome de Bento foi usado, os outros trocados.
****
Capitu (1968) | Filme - Cena inicial
. É considerada uma adaptação bem fiel a obra;
. Lygia Fagundes Telles foi uma das roteiristas;
. Othon Bastos, Isabella e Raul Cortez interpretam o trio Bentinho, Capitu e Escobar.

Até o momento da publicação da postagem: e-book disponível no Kindle Unlimited (caso não esteja mais, você pode encontrar outros e-books do autor e da editora disponíveis para emprestar)


Autor
: Machado de Assis
Origem: Literatura Brasileira
Editora: edição Sol90
ISBN:  9788598559087
Publicação: 1899 | ed. 2004
Páginas: 209
Série: Não
O Que Tem? Palestrinha, Fala Chato Fala, Traiu ou não Traiu?, Melhor Amigo, Superlativos, Clássico, Realismo, Rio de Janeiro Imperial

Comentários

  1. Eu não me lembrava muito da história sei que já fiz trabalho com esse livro na época escolar. Amei sua resenha e me deu vontade de reler esse livro.
    Beijos.



    http://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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  2. Nossa, quando li faz tanto tempo, foi na época da escola, que nem sei mais minha opinião. Tenho que reler.

    www.vivendosentimentos.com.br

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  3. Oi Nana, acho que na minha adolescência eu só li resumos dessas obras, apesar dos professores recomendarem a leitura. Bom, passei no vestibular, não passei? Agora eu quero ler. Ainda não sei por qual irei começar, mas Dom Casmurro está na minha lista!

    Até breve;
    Te espero nos meus blogs!
    https://hipercriativa.blogspot.com (Livros, filmes e séries)
    http://universo-invisivel.blogspot.com (Contos e Crônicas)

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  4. Oi Nana, tudo bem?
    Eu li "Dom Casmurro" faz muitos anos, e ele foi um dos primeiros livros que li, sem ser para a escola. Concordo, acho que teria sido interessante conhecer outros pontos de vista, como de Capitu ou até mesmo de Escobar.


    *bye*
    Marla
    https://loucaporromances.blogspot.com/

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  5. Oi Nana, tudo bem?
    Esse livro sempre trará essa dúvida. Acho que vai muito da interpretação de cada leitor, mas a meu ver ela não traiu. Confesso que tive que me forçar muito para ler na época, pois achei a leitura arrastada e Bentinho não é um personagem cativante, por assim dizer. Enfim, gostei muito de conhecer sua opinião sobre a obra e concordo que poderia ter a parte da Capitu também. Bjus

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  6. Oii Nana,

    Ah, eu quero muito reler esse clássico pra saber se a minha interpretação ainda vai ser a mesma de quando tinha 14/15 anos :)

    Beijos
    https://brenshelf.blogspot.com.br/

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  7. Oie, eu mesma li quando estava na escola, mas não curti, preciso dar uma relida. Embora não tenha sido la grande coisa pra mim na época, eu adorei a personagem capitu e hoje é o nome da minha cachorrinha kkkkkkkkk.

    Bjs

    Imersão Literária

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  8. Oi Nana, quanto tempo! Tirei umas férias daqui e estou voltando, rs.
    Eu também acho que não traiu não, mas tem muita gente que nem tá preparado pra essa conversa.
    Com certeza, é uma história atemporal.
    beeeijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com/

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  9. Menina, esse livro é daqueles que até quem não leu, conhece, hehe. E ainda tem os memes sobre ele, pra ajudar. Eu nunca li esse livro, confesso não ser muito fã dos clássicos nacionais, com exceção dos livros de José de Alencar (que eu gosto muito). Mas que eu sempre tive curiosidade de ler e saber se traiu ou não traiu, ah eu tenho, rsrs....

    =)

    Suelen Mattos
    ______________
    Romantic Girl

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  10. Oi Nana! Li alguns livros destes clássicos na época da escola, mas Dom Casmurro não e nem nos dias de hoje a vontade surgiu. Já ouvi falara é claro, mas não vai entrar na lista. Bjos!! Cida
    Moonlight Books

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  11. Nice book to read, wish you a happy month of October

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  12. Eu sempre fico perdida nessa história porque eu nunca li esse livro HAHAHAHAHA
    Li a resenha quando fui prestar vestibular, mas nem isso eu lembro... Fazer o que?! Hahaha

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

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  13. Quando eu li pela primeira vez, não curti nada. Mas depois, se tornou um dos clássicos que mais gostei de embarcar. E eu também acho que não traiu! Tenho até vontade de reler, pois muitas coisas não lembro ao certo. E ri com o seu comentário "Não estou aqui para fazer trabalho de ninguém" hahaha. Imaginei, a Carol de antigamente reagindo: poxa, me ajuda hahaha! =D E adorei a ideia do nome da rua em homenagem a ele. Ajuda aí, Dudu Paes! hahaha.

    Beijos, Carol
    www.pequenajornalista.com

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  14. ELA NÃO TRAIU MEEEEEEEEEEESMO!
    E eu adoro ler o Machado porque é bem isso que você falou: é como se ele nos pegasse pela mão e nos levasse a turistar no Rio de Janeiro. Eu adoro esse livro. Acho que você vai gostar do Quincas Borba. Parece uma novela da Globo. hehehe

    Um beijo,
    Fernanda Rodrigues | contato@algumasobservacoes.com
    Algumas Observações
    Projeto Escrita Criativa

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  15. Oi
    eu tento ler mais clássicos, mas está indo bem aos poucos e já consegui ler a moreninha e o cortiço de outros autores, meu primeiro contato com o machado de assis foi no ensino médio com memórias póstumas de brás cubas e nunca consegui finalizar ele e naquela época acabei largando o livro e lendo só o resumo pra tentar enganar a professora, então é um livro que ainda quero ler, também tenho vontade de ler Dom casmurro por conta dos debates que surge do nada no twitter sobre traiu ou não traiu. Que bom que já mais velha a experiência foi melhor.

    https://momentocrivelli.blogspot.com/

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